Blog do Dina - Caranguejo de maconha e dominó de cocaína: a curiosa coleção de fotos de apreensão de drogas no Brasil


Caranguejo de maconha e dominó de cocaína: a curiosa coleção de fotos de apreensão de drogas no Brasil

23 de fevereiro de 2022 às 8:58

Tudo começou em outubro de 2019, quando o pesquisador alemão das áreas de segurança, crime e relações civil-militares Christoph Harig se deparou com uma curiosa foto de uma apreensão policial realizada pela Polícia Militar de Minas Gerais.

A imagem mostrava, perfeitamente enfileirados e acompanhados de um logotipo da PM mineira, 22 potes do creme de avelã Nutella, que haviam sido recuperados pela polícia após uma tentativa de furto a um supermercado no município de Patrocínio, região do Triângulo Mineiro.

"Alguém me alertou que esse tipo de foto era uma verdadeira tendência entre as polícias brasileiras, então criei o hábito de buscar e colecionar essas imagens, em parte para me divertir, mas em parte também pelo choque com o absurdo da guerra às drogas", conta Harig.

Morador de Hamburgo e atualmente pesquisador na Universidade de Tecnologia de Braunschweig, Harig estudou a política de pacificação das favelas cariocas em um PhD (nível de estudo equivalente ao doutorado brasileiro) realizado entre 2013 e 2017 no King's Brazil Institute, instituto dedicado ao estudo do Brasil, vinculado ao King's College de Londres.

Falante de português após ter estudado por um período em Lisboa, Harig passou alguns anos viajando ao Brasil com frequência por conta de sua dissertação sobre segurança pública no Rio.

Concluída a pesquisa, o estudioso agora mantém o vínculo com o país ao buscar periodicamente termos como "polícia encontra drogas" e "polícia apreende" no Google, exploração que sempre retorna material fresco para a coleção do acadêmico, que já conta com dezenas de imagens, em geral divulgadas pelas assessorias de imprensa das próprias polícias.

Entre as preferidas de Harig estão uma queda de dominó feita com pacotes de cocaína, resultado de uma apreensão realizada pela Polícia Rodoviária Federal; uma caveira desenhada com pílulas coloridas de ecstasy, obra de uma delegacia da Polícia Civil de Canoas, no Rio Grande do Sul; e um caranguejo vermelho bastante parecido com o personagem Seu Siriguejo, do desenho animado Bob Esponja, feito com tijolos de maconha e arquitetado pela Polícia Rodoviária Estadual do Paraná.

Guerra às drogas

"Dou aulas sobre a guerra às drogas e uso algumas dessas fotos para mostrar aos estudantes como ela está entranhada em todos os níveis da atividade policial", diz Harig.

"Guerra às drogas" é um termo que passou a ser usado na década de 1970, quando o então presidente americano Richard Nixon declarou em uma coletiva de imprensa que o uso de drogas ilegais era o "inimigo público número um" dos Estados Unidos.

Desde então, os EUA lideram uma campanha global de combate ao tráfico internacional de drogas, envolvendo proibição do uso e intervenções militares, com o objetivo de desincentivar a produção, distribuição e o consumo de entorpecentes.

"A guerra às drogas é um desperdício de energia e recursos e causa danos imensos à população, especialmente à população pobre e negra, que é tipicamente vítima das ações policiais feitas em nome dessa guerra", avalia Harig.

O pesquisador cita, por exemplo, os critérios que considera questionáveis para determinar quando uma pessoa é usuária ou traficante de drogas, e o encarceramento em massa decorrente dessa política.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo: 748 mil pessoas, segundo dados do Infopen, sistema de informações estatísticas do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

O país só está atrás dos Estados Unidos (2 milhões) e da China (1,7 milhão) na lista de nações que mais prendem do mundo, conforme o World Prison Brief, levantamento internacional de dados prisionais realizado pela ICPR (Institute for Crime & Justice Research) e pela Birkbeck University of London.

Algumas das fotos revelam, segundo Harig, a ineficiência da política de apreensão, com a exibição orgulhosa pela polícia da quantidades ínfimas de tóxicos.

"É bastante questionável que essas pequenas apreensões sejam apresentadas como um grande sucesso da guerra às drogas. Elas não mudam nada", afirma.

"Mesmo as grandes apreensões não mudam nada na questão estrutural do tráfico de drogas, mas é uma forma de a polícia mostrar aos outros departamentos de polícia e à população que está fazendo algo contra o crime, embora, na prática, isso faça muito pouca diferença."

https://twitter.com/c_harig/status/1183750793062703105

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BBC Brasil

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