24 de março de 2022 às 9:01
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, há um mês, o mundo tem acompanhado os desdobramentos de perto. A resistência ucraniana surpreendeu até os seus adversários que, antes mesmo da incursão, diziam que a chamada operação especial militar duraria apenas alguns dias. Diversas linhas de análise observam que houve um grave erro de cálculo por parte de Vladimir Putin, ao subestimar o exército ucraniano mas, acima de tudo, o presidente russo não esperava que teria que encarar uma ameaça a sua altura: a habilidade de comunicação de Volodymyr Zelensky.
Ator e comediante, quando Zelensky foi eleito para comandar a Ucrânia, em 2019, ele já era bastante conhecido. Nascido na antiga União Soviética, seu idioma materno é o russo. Zelensky passou boa parte de sua carreira artística em turnês pela Rússia. Alguns anos antes, em 2015, o atual líder ucraniano se tornou o protagonista de uma série de TV chamada, em tradução livre, “Servo do Povo”.
Na trama, Zelensky interpreta um professor de história, sem qualquer passado político, que se torna presidente da Ucrânia depois de viralizar na internet. Coincidentemente, a ascensão de Zelensky ao poder parece ter saído diretamente do metaverso para a vida real.
O então ator anunciou sua candidatura ao cargo máximo do país, por um partido chamado “Servo do Povo”, após a exibição de um episódio da série e, claro, surpreendeu pela semelhança com o programa de TV. Ele foi eleito com mais de 70% dos votos.
Uma de suas promessas de campanha era sentar-se com Vladimir Putin e acabar com os conflitos nas regiões separatistas de Donetsk e Luhansk. Mas logo Zelensky percebeu que a prática era muito mais difícil que a teoria. As diferenças ideológicas e políticas dos dois presidentes logo surgiram, mas ficaram ainda mais pronunciadas com a chegada da pandemia.
A Rússia ofereceu à Ucrânia a vacina Sputnik V contra a Covid-19, mas Zelensky optou por aplicar imunizantes fabricados no ocidente, além da chinesa Sinovac (vacina que, no Brasil, é produzida em parceira com o Butantan e é conhecida como Coronavac). Outro fator importante contribuiu para aumentar a rachadura entre os dois países. Depois que o presidente americano Joe Biden tomou posse em janeiro de 2021, Zelensky encontrou a abertura de que precisava para aproximar a Ucrânia dos países ocidentais, o que desagradou Putin e culminou — também por outros motivos — na guerra.
Vídeos caseiros falados em russo
Logo nos primeiros dias de conflito, Zelensky começou a publicar vídeos caseiros falando da situação do país e pedindo resistência ao povo ucraniano. Mas ele percebeu que a mensagem também precisava chegar aos russos.
Foi então que outros vídeos dirigidos à nação russa surgiram. Com grande habilidade, Zelensky moldou seu discurso e conseguiu separar o que ele classifica como um povo pacífico de um líder opressor.
Ele, que representa a figura de filho da ex-União Soviética, que compreendia a ligação entre os dois países, pediu aos russos que fizessem o necessário para parar a guerra.
Em um dos vídeos, Zelensky diz que uma das justificativas do Kremlin para a invasão era a libertação do povo ucraniano e reforçou que era preciso lembrar que a Ucrânia já era livre e soberana. O país só desejava escolher seu próprio caminho.
Não se sabe ao certo o número de russos que atenderam ao apelo de Zelensky, mas o fato é que milhares de pessoas, em diversas cidades da Rússia, foram às ruas pedir o fim da guerra e foram presas. Mesmo assim, os protestos não param de acontecer.
Se a comunicação de Zelensky representa uma ameaça a Putin, a propaganda de guerra russa é um oponente e tanto para o líder ucraniano. Incontáveis relatos de pessoas que estão na Ucrânia e têm família na Rússia nos mostram isso diariamente.
Em alguns casos, ainda é possível ouvir que Zelensky é uma pessoa com a qual os russos conseguem se identificar facilmente, mas que é lamentável como ele está associado a neonazistas. Mas a batalha das narrativas continua.
Zelensky falou ao parlamento de diversos países europeus e aos Estados Unidos. Em cada um de seus pronunciamentos, o discurso foi especialmente formatado para atingir a plateia de uma forma que despertasse não apenas o interesse, mas a vontade de atender seus apelos. E isso só é possível quando se domina um dos princípios mais importantes da oratória: conhecer seu público. Independentemente dos próximos acontecimentos, uma coisa é certa. Volodymyr Zelensky deixará um legado importante em comunicação de guerra.
CNN Brasil
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